No começo da década de 30, Irving Thalberg, o gênio da produção da MGM, convoca todos os seus roteiristas e diretores para uma exibição de M, o vampiro de Dusseldorf, o thriller alemão de Fritz Lang, e então os critica em massa por não fazerem filmes tão inovadores, empolgantes, profundos e comerciais como este. É óbvio que, como admitiu Thalberg, se alguém tivesse tentado vender ao estúdio uma história sobre um serial killer de crianças ( que, no fim das contas, é uma vítima e acusa sociedade de uma corrupção mais profunda do que a sua psicose), teria sido expulso aos pontapés imediatamente.
Enquanto, em um primeiro momento, Hollywood considerava os filmes sonoros mais propícios a musicais e adaptações teatrais, uma geração de cineastas europeus viu o potencial da nova mídia para gerar emoções fortes e efeitos psicológicos. Inspirado talvez no tema de O pensionista, o filme mudo de 1927 de Alfred Hitchcock, e nas técnicas de seu filme falado Chantagem e confissão, de 1929, Lang - que havia terminado sua carreira no cinema mudo com Metrópolis ( 1927 ) e A mulher na Lua ( 1929 ), ambos considerados dispendiosos fracassos antes de terem seus valores reconhecidos - dedicou-se a se restabelecer como artista popular. Não obstante, M é incomum em sua estrutura narrativa, apresentando uma série de cenas de montagem ( muitas vezes com narração, um recurso novo ) que ajudam a compor o cenário de uma cidade alemã aterrorizada.
A causa da comoção é Franz Becker ( Peter Lorre ), um jovem gorducho que assobia compulsivamente uma ária de "No salão do rei da montanha", de Edvard Grieg, enquanto de aproxima das crianças que assassina ( e, subentende-se, molesta ).Seus crimes são representados através de imagens impactantes mas simples, como a de um balão solto subindo contra cabos telefônicos ou a de uma bola abandonada. Estabelecendo convenções que ainda são usadas em filmes de serial killers, Lang e o cenógrafo Thea von Harbou intercalam cenas da vida patética do assassino com o frenesi da investigação policial sobre os crimes chocantes, dando atenção também a questões secundárias, como a cobertura da imprensa, a ação de vigilantes - como na cena em que um inocenta informa as horas para um grupo de crianças e é subitamente cercado por uma multidão enfurecida - e a pressão política que incentiva mas, ao mesmo tempo, atrapalha a polícia. Em um toque de cinismo, a polícia reprime todas as atividades criminosas para pegar o assassino, levando os bandidos profissionais à margem da sociedade a também caçá-lo como um animal.
No poderoso final, Becker é julgado pelo submundo e se defende com o surpreendentemente tocante argumento de que as pessoas apenas escolhem cometer seus crimes, enquanto ele é forçado a cometê-los.
O assassino desesperado, lúcido e dono de uma impulsividade animal de Lorre é a voz final de M, forçando seus perseguidores ( e a nós) a olharem para dentro de si mesmos em busca das sementes de uma psicose equivalente à dele. Enfatizando com criatividade os avanços tecnológicos do som no cinema, Lang faz com que o assassino seja ouvido antes de ser visto ( diz-se que o diretor dublou o assobio de Lorre ) o que faz com que seja identificado por uma testemunha cega.