Os fanáticos por curiosidades talvez notem que, embora muitos livros geralmente citem Asas como o primeiro ganhador do Oscar de Melhor Filme, a honra, na verdade, foi para dois filmes: Asas, de William Wellman, recebeu o prêmio de " Produção " e Aurora, de F. W. Murnau, o de "Produção Artística e Notável". Se a segunda categoria impressiona mais que a primeira, isso explica em parte por que Aurora, e não Asas, continua sendo um dos filmes mais reverenciados de todos os tempos. Inicialmente, William Fox trouxe Murnau para os Estados Unidos com a proposta de um grande orçamento e total liberdade criativa, e o fato de Murnau ter se aproveitado ao máximo disso nesta formidável obra-prima ratifica sua incomparável reputação de gênio do cinema.
A simplicidade do filme é enganosa. Com o subtítulo um tanto enigmático de Uma canção de dois humanos, Aurora se concentra em um casal do interior cujas vidas são destruídas por uma sedutora mulher da cidade. Contudo, Murnau retira ondas de emoção do que poderia ser melodrama corriqueiro, enriquecendo-o com uma série de inovadoras técnicas cinematográficas.
O mais fascinante aspecto de Aurora é o trabalho de câmera. As câmeras empregadas nos primeiros filmes mudos já eram leves o suficiente para serem erguidas e carregadas, mas era problemático movimentá-las porque ficavam presas ao operador que as acionava girando uma manivela. Os movimentos de câmera eram raros; a câmera fazia uma panorâmica a partir de uma posição fixa. Depois surgiram as tomadas sobre trilhos - a câmera era literalmente montada sobre trilhos, de modo a poder se movimentar acompanhando a ação. Porém, uma câmera aparentemente sem peso , que pudesse voar ou transpor barreiras físicas - esse tipo de liberdade sonhada teria de esperar até quase os últimos dias do cinema mudo. E então, quando chegou o falado e as barulhentas câmeras precisavam ser encerrads em cabines à prova de som, o sonho de liberdade tornou a se perder por muitos anos.
Aurora venceu tempo e gravidade com uma liberdade espantosa para as primeiras platéias. Quem assiste o filme hoje se admira da audácia da experimentação visual deste filme. Murnau foi um dos mais importantes expressionistas alemães: seu Nosferatu ( 1922 ) inventou o filme de vampiros e seu A última gargalhada ( 1924 ) ficou famoso por eliminar totalmente os letreiros, narrando a história apenas com imagens. Toddy Ludy, admirador de Murnau, escreveu: "Com Aurora, a câmera cinematográfica - por tanto tempo pesada e primitiva - afinal aprendeu a voar."
Lançado no ano que Peter Bogdanovich intitulou de o mais importante da história de Hollywood, quando o cinema mudo atingiu a perfeição para em seguida desaparecer, Aurora não foi um sucesso de bilheteria, porém a indústria percebeu que estava assistindo a uma obra-prima. O filme continua sendo um marco que serve de medida para todo e qualquer filme, seja ele mudo ou não. Numa era mais primitiva, é um apogeu artístico cuja sofisticação contradiz os recursos da época. Sua sombra se projeta sobre diversas grandes obras subsequentes, porém, ao mesmo tempo, mantém seu brilho próprio.
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