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sexta-feira, 2 de novembro de 2012

TAXI DRIVER (1976)


É fartamente conhecida, entre as lendas da cinematografia, que o roteiro de Taxi Driver, escrito por Paul Schrader, se inspirou no filme Rastros de ódio, de 1956, de John Ford. Nos dois filmes, os heróis possuem a obsessão de "salvar" mulheres que não queriam, na verdade, qualquer salvamento. 


Rastros de ódio tem o seu herói, John Wayne, um veterano da Guerra Civil, devotando anos de sua vida à procura da jovem sobrinha Debbie (Natalie Wood), que fora raptada pelos Comanches. O pensamento de que Debbie pode estar nos braços de um índio o mortifica. Quando finalmente a encontra, os índios são o povo dela, e ela foge. Wayne planeja matar a garota, pelo crime de ter se transformado numa squaw (mulher que se casa com um índio norte-americano). Mas no final, ele a levanta (numa famosa imagem) e diz: "Debbie, vamos para casa". A dinâmica aqui é que Wayne achou que perdoara a sobrinha, depois de ter participado da matança do povo que, por quinze anos ou mais, tinha sido a família dela. Assim que o filme vai chegando ao final, a sobrinha se junta aos sobreviventes de sua família biológica, e a última imagem mostra a silhueta de Wayne na soleira da porta, partindo mais uma vez em direção ao mundo. Não temos aqui, significativamente, qualquer cena mostrando como a sobrinha se sentiu em relação ao que lhe acontecera.


Em Taxi Driver, Travis Bickle (Robert De Niro) também é um horrivelmente cicatrizado veterano de guerra do Vietnã. Ele encontra uma prostituta infantil com 12 anos de idade, chamada Iris (Jodie Foster), manipulada por um cafetão de nome Sport (Harvey Keitel). Sport usa uma faixa na cabeça, como um índio. Travis está determinado a "salvar" Iris, o que acaba fazendo, num banho de sangue. Uma carta e recortes de jornais dos Steensmas, pais de Iris, agradecem a ele por ter salvo a filha deles. Mas uma crucial cena, anterior a isto, mostra que Íris estava satisfeita de estar com Sport, e as razões pelas quais ela fugiu de casa não são devidamente exploradas.


A mensagem subjacente nos dois filmes é que um homem alienado é incapaz de estabelecer relacionamentos normais e termina se transformando em um solitário, que perambula por aí e acaba por se sentir responsável pelo salvamento de uma inocente garota de um tipo de vida que ofende os seus princípios. Em Taxi Driver, esta parte central do enredo é circundada por casos menores, mas em torno do mesmo tema. A história se passa durante uma campanha política, e Travis acaba se encontrando com Palantine, o candidato, quando este toma seu táxi. Ele se comporta numa insinuante bajulação, mas nós, assim com Palantine, podemos perceber que alguma coisa soa errada.


Depois daquele encontro, Travis tenta "libertar" uma das colaboradoras de Palantine, uma loira que ele idealizara (Cybill Sheperd)). Isto dá errado com a estúpida idéia de um encontro em um cinema pornô. E então, depois de um espantoso ensaio em frente ao espelho, ele se transforma em um arsenal ambulante e sai para assassinar Palantine. Estas cenas com Palantine são como ensaios de figurino para acabr com o filme. Ele tem uma conversa amigável numa cafeteria tanto com Betsy quanto com Íris, sucedida por um frustrado "namoro" e seguida de um ataque aos homens que acredita que as estivessem controlando; ele tenta, sem conseguir, assassinar Palantine e depois sai à caça de Sport.


Há algumas tendências no filme que podemos perceber sem ter que apontá-los. Os subentendidos sentimentos de Travis pelos negros, por exemplo, que aparecem em duas longas sequências num ponto de encontro de motoristas de táxi, quando ele troca olhares com um homem que poderia ser um vendedor de drogas. Seus sentimentos ambivalentes sobre o sexo (ele vive num mundo de pornografia, mas a atividade sexual que vê na cidade o enche de repugnância). Sua aversão pela cidade, povoada pela "ralé". Sua preferência por trabalhar a noite, e a forma como o cinegrafista de Scorsese, Michael Chapman, transforma o táxi amarelo de Travis numa embarcação que o faz navegar pelo submundo, como, por exemplo, quando o vapor escapa pelos respiradouros das ruas ou quando o carro fica salpicado ao passar pela água dos hidrantes - numa travessia infernal.


Tem havido muita discussão a respeito do final do filme, no qual vemos recortes de jornal sobre o "heroísmo"  de Travis, e então Betsy toma o táxi dele e parece ter admiração, em vez da aversão anterior. Será uma cena fantasiosa? Será que Travis sobreviveu ao tiroteio? Estaremos participando dos pensamentos finais dele, antes de morrer? Pode esta sequência ser aceita como literalmente verdadeira? 


As sequências finais parecem música, não drama: completam a história num nível emocional, não literal. Nós terminamos não numa carnificina, mas numa redenção, que é o objetivo principal de muitos dos personagens de Scorsese. Eles se menosprezam, vivem em pecado, ocupam caminhos perigosos, mas querem ser perdoados e admirados. Quer Travis ganhe este status na realidade ou somente na sua cabeça não é o que interessa. Por todo o filme, seu estado mental formou a sua realidade, e por fim, de alguma forma, acabou lhe trazendo um pouco de paz.



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