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domingo, 21 de outubro de 2012

TRÊS HOMENS EM CONFLITO (1966) - IL BUONO, IL BRUTTO, IL CATTIVO / THE GOOD, THE BAD AND THE UGLY


Três homens - o "Bom", o "Mau" e o "Feio" - estão atrás de um tesouro escondido em um cemitério. Cada um deles conhece apenas uma parte da sua localização, o que faz com que eles tenham que se unir. O problema é que nenhum deles está disposto a dividir o que encontrarem.


Uma vasta paisagem deserta. A câmera exibe essa visão panorâmica. Em seguida, desliza o foco para um rosto desesperado e queimado de sol. O plano geral transformou-se em um close-up, sem corte algum, revelando que a paisagem não estava deserta, mas que havia um "desesperado" bem perto de nós. Nesses quadros iniciais, o diretor Sergio Leone estabelece uma regra que obedecerá durante todo o filme, ou seja, que o campo visual seja limitado pelas laterais do enquadramento. Em momentos importantes do filme, o que a câmera não pode ver os personagens também não podem e isso dá liberdade a Leone para nos surpreender com entradas em cena que não podem ser explicadas pela geografia prática de suas tomadas. Por exemplo, em dado momento os homens só percebem um grande acampamento do exército quando tropeçam nele. Em outro momento, em um cemitério, um homem se materializa do ar, embora devesse estar visível a um quilômetro e meio de distância.


Leone não se preocupa com o prático nem com o plausível e constrói seu grande filme a partir dos tolos clichês dos filmes de faroeste, utilizando o estilo para elevar lixo à condição de arte. Arte saída da imaginação de Leone e pintada tão vivamente que nos esquecemos que este filme e os anteriores da trilogia (Por um punhado de dólares, de 64, e Por uns dólares a mais de 1965) eram produções marginais - de que Clint Eastwood era um renegado de Hollywood, de que as restrições orçamentárias (duzentos mil dólares para Um punhado de dólares) causaram evidentes erros de continuidade, de que há poucos diálogos porque é mais fácil filmar sem som e depois preencher a trilha com músicas e efeitos especiais.


Houve também uma tentativa patética de fazer o filme parecer mais norte-americano: o crítico Glenn Erickson diz que, nos créditos das primeiras cópias de Por um punhado de dólares, Leone aparecia como "Bob Robertson". Até o personagem de Clint Eastwood, o célebre "homem sem nome", foi uma invenção de agentes publicitários; no primeiro filme ele se chama Joe, no segundo Manco e no terceiro Blondie.


A idéia de que, na origem, a trilogia espaguete pertença a um universo diferente dos tradicionais filmes de faroeste talvez se deva a seu sutil sabor estrangeiro, em especial nesta obra-prima. Em vez de dóceis figurantes do elenco reserva de Hollywood, vemos pessoas do lugar, que devem ter sido contratados perto das locações espanholas - homens de aparência curtida pelo trabalho ao sol. Observe-se o mendigo sem pernas que se move com a ajuda dos braços até a taberna e grita: "Desce um uísque!"


John Ford fez de Monument Valley a sede de seus personagens de faroeste, e ali realizou grandes filmes, mas na ameaçadora paisagem espanhola de Leone há algo de novo e estranho. Até então esses desertos não haviam sido vistos. John Wayne nunca esteve lá. As histórias de Leone são sonhos ampliados onde tudo é maior, mais duro, mais brutal e mais dramático que a vida.


Eastwood tinha 34 anos quando trabalhou pela primeira vez para Leone. À época, se achava que o público de cinema não pagaria para ver um ator que poderia ser visto de graça. Eastwood venceu este mau presságio, o que nem todos atores conseguiram. Declara que aceitou os papéis de Leone porque queria fazer cinema e Hollywood não queria contratá-lo. O próprio Eastwood viria a se tornar um grande diretor e, masmo àquela época, deve ter percebido que Leone não era apenas mais um fornecedor de épicos italianos do tipo "espada e sandália", mas um homem de paixão. Juntos, Leone e Eastwood fizeram do "homem sem nome" não só algo maior do que um astro de televisão, mas também algo maior que um astro de cinema - um homem que nunca precisou se explicar, um homem importante o suficiente para preencher a tela com botas, dedos e olhos.


Homem de idéias grandiosas, Leone realizou duas outras inesquecíveis obras-primas: Era uma vez no oeste (1968) e Erauma vez na América (1984). No fim de sua carreira, Hollywood desconfiava dos filmes de longa duração e criminosamente amputou América, transformando os 227 minutos originais em incompreensíveis 139 minutos. A primeira versão de Três homens em conflito sofreu um corte de 19 minutos. Hoje em dia estão disponíveis versões integrais de muitos filmes de Leone, e aos poucos vai ficando evidente que ele foi um grande diretor.


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