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segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

PULP FICTION - TEMPO DE VIOLÊNCIA ( 1994 )


É o diálogo que conduz Pulp Fiction, de Quentin Tarantino - diálogo de tão alta qualidade que é digno de ser comparado com outros mestres da prosa enxuta e rude, de Raymond Chandler a Elmore Leonard. Como eles, Quentin Tarantino encontra uma forma de dizer palavras com humor sem jamais solicitar um sorriso. Como eles, combina prosa funcional com vôos de dura poesia e extravagantes maldades.


Observemos uma pequena cena, que geralmente não é mencionada nas discussões sobre o filme. O boxeador profissional Butch ( Bruce Willis ) acabara de matar um homem no ringue. Ele volta para o motel, onde sua namorada Fabienne ( Maria de Medeiros ), está ocupando uma suíte. Ela conta que estava se olhando no espelho e que sonhava em ter uma pequena barriga. " Você tem uma ", responde ele, aconchegando-se junto dela. " Se eu tivesse uma ", diz ela, " eu acentuaria a barriga com uma camiseta dois números menores. " Um pouco mais tarde, ela observa: " Infelizmente o que agrada ao toque e aos olhos raramente é o mesmo ".


Este diálogo vem num momento em que Butch está desesperado. Ele concordara em perder propositadamente um luta, e então apostou pesadamente em si mesmo, às escondidas, e venceu a luta. Ganhará um monte de dinheiro - mas, somente se conseguir escapar da vingança de Marsellus Wallace ( Ving Rhames ). Num filme menos importante, o diálogo nesta cena teria sido inteiramente conduzido pelo enredo; Butch teria explicado a Fabienne o que ele, ela, e nós já estávamos sabendo. Em vez disso, Tarantino lança mão de uma conversa aparentemente irrevelante para rapidamente estabelecer a personalidade dela e o relacionamento entre eles. Seu diálogo é sempre cheio de alusões.


Faz parte da estratégia de Tarantino que em todos os seus filmes seus personagens falem em perfeita sintonia com a ação, ou que partam para vôos de fantasia. Basta lembrar a primeira conversa entre Jules ( Samuel L. Jackson ) e Vincent ( John Travolta ) quando estão a caminho de uma violenta retaliação contra alguns jovens  que ofenderam Wallace e haviam se apropriado da maleta dele. Eles conversam a respeito da legislação sobre drogas em Amsterdã, como se chama o "quarteirão com queijo " em Paris, e o grau de envolvimento sexual sugerido por uma massagem no pé.


Os diálogos de Tarantino não são simplesmente excêntricos. Por trás deles há um método. A discussão sobre por que o " quarteirão com queijo " é chamado de "royale com queijo" em Paris é reprisada alguns minutos a seguir, numa tensa conversação entre Jules e um dos jovens ( Frank Whaley ). E a história de como Marsellus atirou um homem por uma janela do quarto andar por ter massageado os pés de sua mulher acaba sendo um modo de ação. Tarantino está preparando o embasamento dramático para a cena na qual Vincent leva Mia Wallace ( Uma Thurman ) para sair à noite por ordem do chefe. 


 A estrutura circular do filme é famosa. O assalto ao restaurante com Pumpkin e Honey Bunny ( Tim Roth e Amanda Plummer ) abre e fecha o filme, e outras linhas de histórias entram e saem sem qualquer sentido cronológico. Mas há uma cronologia no diálogo, na forma em que tudo o que foi dito anteriormente estabelece ou enriquece o que vem depois. O diálogo é a demonstração de que Tarantino teve o artifício do tempo em mente desde o começo, pois nunca temos um erro de avaliação; as cenas não obedecem a uma ordem cronológica, mas o diálogo sempre sabe onde se encaixar dentro do filme.


Pulp Fiction é o filme mais influente da década de 90; sua linha do tempo circular pode ser percebida em filmes tão diferentes, como Os suspeitos, O efeito zero a Amnésia - não que o tenham copiado, mas sabiam muito bem quais eram os prazeres de brincar com a cronologia. Todavia, não é sua estrutura que faz de Pulp Fiction um grande filme. Sua grandeza provém do casamento entre os personagens originais e uma série de eventos vivos e meio fantasiosos - e do diálogo. O diálogo é o fundamento de tudo o mais.


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