Um fidalgo voltando das cruzadas entra em uma igreja para se confessar. ele abre o coração para uma figura encoberta, que mal pode ser percebida por detrás de uma grade de ferro: "Minha indiferença me castiga. Eu vivo num mundo de fantasmas, sou um prisioneiro dos sonhos. Eu quero que Deus estenda sua mão, mostre a sua cara, fale comigo. Eu choro para Ele no meio da escuridão, mas não há ninguém ali". A figura encoberta dá uma volta e se revela como a Morte, que o vinha acompanhando durante sua jornada de volta para casa. O fidalgo oferece um acordo à Morte: jogarão uma partida de xadrez pela sua alma.
A imagem da Morte de manto preto e rosto branco, jogando xadrez com um cruzado cansado e questionador está tão arraigada na memória coletiva dos amantes de cinema quanto Janet Leigh sendo esfaqueada no chuveiro em Psicose ou King Kong no alto do Empire State.
Essa simples cena resume a importância, o encanto e o impacto que novas formas de cinema tiveram em uma certa época, quando as certezas de Hollywood estavam em baixa. Senão, como explicar as paródias ou referências que volta e meia aparecem em filmes tão variados quanto A máscara mortal (1964), de Roger Corman, A última noite de Boris Grushenko (1975), de Woody Allen, O último grande herói (1993), de John McTiernan, e Bill e Ted-Dois loucos no tempo (1991), de Peter Hewitt, no qual a morte joga twister ?
Alguns homens já nasceram cineastas. Ingmar Bergman foi forjado. Nascido em Uppsala, em 1918, era filho de um ministro luterano, cuja rígida educação incluía a punição (sempre mencionada nos filmes) do jovem menino, que para isso era fechado à chave dentro do guarda-louça, "com coisas que comerão os seus dedos". Seus primeiros filmes pós-guerra são uma inquietante mistura do neo-realismo italiano com os dramas sociais de Hollywood. Ele não se sentia confortável num mundo de pequenos gestos realistas e de comportamento rotineiro, e somente encontrou sua genialidade quando foi em busca de temas mais sérios em filmes como Rumo à alegria, de 1950, e Noites de circo, de 1953. O sétimo selo e Morangos silvestres, ambos lançados em 1957, dão-lhe a marca de artista. Ambos tratam de homens que estão chegando ao fim da vida, numa jornada em busca de um significado.
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